Imagine um lugar onde ninguém é “organizador”, mas tudo funciona. Onde ninguém vende, mas todo mundo entrega. Onde a polícia entra com cães farejadores, mas o espírito continua dançando entre instalações psicodélicas, workshops de transe coletivo e banhos de espuma no meio da floresta. Bem-vindo ao Borderland, o “Burning Man nórdico” — mas não tão caloroso e com menos poeira, mais cogumelos e muita sauna comunitária.
O que é o Borderland?
Borderland acontece na região de Eksjö, Småland, mas poderia ser Marte. É um experimento social-artístico-radical onde a palavra “festival” é quase ofensiva — aqui ninguém paga ingresso para consumir; paga para construir. Nada é vendido. O que você encontra lá foi criado pelos próprios participantes, chamados de borderlings, numa lógica de “do-ocracy”: quem faz, manda.
É a antítese do capitalismo de evento: em vez de palco e cerveja a 100kr, você pode dar de cara com uma oficina de meditação tântrica às 3h da manhã, uma rave silenciosa com fones de ouvido ou um confessionário onde você ouve desabafos de completos estranhos. Sem marcas, sem line-up, sem VIP. Só caos criativo e confiança social.
Mas e a polícia?
Sim, houve batida policial. A imprensa sueca fez questão de noticiar: “Polisen gjorde narkotikatillslag” (batida antidrogas). Foram apreensões, relatos de LSD, ketamina e cogumelos. E aqui entra a dissonância sueca: um país que promove a liberdade pessoal e o nudismo em saunas mistas, mas que treme ao ver gente explorando estados alterados de consciência fora do sistema médico ou universitário.
O Borderland não nega a presença de substâncias. Mas tampouco as promove. Elas estão lá como estão no Midsommar ou nas festas privadas de Estocolmo: discretas, subterrâneas, parte da experiência sensorial. A diferença é que aqui não tem fachada. É explícito. Isso incomoda.
Borderland não é para turista
Um alerta aos curiosos: o Borderland não é um “evento alternativo legalzinho” para tirar fotos estilosas pro Instagram. Se você chegar sem contribuir, vai se sentir deslocado. Se vier esperando ser servido, vai passar fome. Não há comida à venda, nem posto de gasolina, nem McDonald’s próximo. O calor humano vem da partilha. O conforto, do improviso.
É uma micro-utopia instável onde as regras são co-criadas. Por isso mesmo, perigosa para quem precisa de manual. E fascinante para quem entende que liberdade total exige responsabilidade extrema.
E o Burning Man?
O Borderland se inspira diretamente no Burning Man, que acontece no deserto de Nevada, EUA. Ambos compartilham princípios como:
- autonomia radical
- autoexpressão criativa
- não comercialização
- participação ativa
Mas enquanto o Burning Man virou um polo de tech bros californianos, milionários e fashionistas de ocasião (com seus trailers de luxo e air conditioning portátil), o Borderland tenta resistir à gentrificação da contracultura. É menor, mais cru, mais sueco — no sentido mais honesto e frio da palavra.
No fim das contas…
…o Borderland é um espelho distorcido da Suécia. Um país que ama regras mas também celebra o anarquismo elegante. Um território onde a arte é financiada pelo Estado, mas o êxtase coletivo ainda assusta. Um experimento anual que mostra que, sim, é possível construir algo grandioso com base em confiança, caos e colaboração — mesmo que a polícia apareça no meio da brincadeira.
Se você é brasileiro na Suécia e acha que os suecos são frios, tente um Borderland. Talvez descubra que o gelo deles esconde um vulcão criativo. Mas vá pronto para suar, carregar coisas, colaborar, ouvir silêncio e encarar suas próprias barreiras internas. Afinal, o maior borderland é dentro da gente.
